quarta-feira, dezembro 29, 2004

cadernos do laçarote – IX

jango da dona jóia, museu da escravatura
27.Dezembro.2004
13h37 em Portugal



«Cuca p’a mim, Cuca p’a ti!...»

Cancelada que foi a visita ao porto, cortesia adiada de um despachante desta terra, accionámos o plano B e viemos à praia perto do museu da escravatura.

Estou a escrever de um jango em plena praia, com o mar à minha frente, calmo e envergonhado, guardado por uma legião de pequenos caranguejos de uma só tenaz que parecem dar vida própria à areia da praia, tal a sua quantidade e a forma como se movimentam. Os mais próximos de mim parecem agora retirados d’A Menina do Mar, observando-me e ginasticando as suas patas, como que a acenarem ou a chamarem-me para as festas do Rei dos Mares.

O almoço foi picanha e feijão preto, cozinhado aqui mesmo na praia, o que não impede que dois inexperientes pescadores de cana e uma nadadora de reexportação estejam já a desafiar as águas tépidas à minha frente. Eu fiquei por aqui, a passear pela praia e a fotografá-la, inspeccionando os outros jangos e caminhando até ao Museu da Escravatura. Corroborando a minha ideia de que a ‘teoria dos sete graus de separação’ não se aplica neste país, o jango a seguir a este é do vizinho de baixo do prédio que o meu pai habita na cidade, marido da tia de um amigo meu que já cozinhou funge para mim, por coincidência, numa viagem que fez a Lisboa (sim pá!, isto aqui ao lado é dos teus tios).


Do jango da Dona Jóia

Infelizmente para vocês (e para o meu incompetente domínio da língua portuguesa), a paisagem é demasiado bela para sequer tentar descrevê-la: a praia, lodosa e com algum limo, é orlada por vários jangos como este. A areia e o mar brincam um com o outro, num jogo de reentrâncias e de línguas que amparam o terno refluxo das águas. Paradas sobre estas, algumas aves bicam a areia e ensaiam poses para o portfólio do canal Odisseia. A tranquilidade abrigada pelo Museu da Escravatura, num pequeno promontório à esquerda do quadro, edifício de clara inspiração católico-colonialista cercado por um pontilhado de embondeiros a várias alturas, apenas é perturbada por barcos que cruzam as águas e pelos risos e conversas da família que ocupa a ponta direita da praia, a brincar despreocupadamente dentro de água. Imitando a própria vida por estas paragens, o horizonte é já aqui, bem à vista: palmeiras numa coluna contínua de vegetação, umas integrando-se, outras mais saídas, com as folhas bem evidentes recortadas no céu, areia e praias desertas, tudo numa ilha defronte de mim, que fecha o horizonte desta praia ao longínquo mundo que não lhe pertence.


bairro dos coqueiros
27.Dezembro.2004
23h06 em Portugal


Acabei agora de passar os apontamentos relativos aos dias de hoje e de ontem. Desde a última vez que escrevi, deu-se o meu regresso a casa, com passagens pelo mercado de Benfica, conhecido pelo artesanato e do qual apenas foi possível ter uma ideia a meio-gás, e pelo musseque Rocha Pinto, talvez o maior da cidade e impressionante pelas dimensões que tem, com as pobres habitações a formarem ruas labirínticas por entre água das chuvas, lixo e vias rápidas com mais carros do que espaço e mais pessoas do que carros.

2 scone(s)

Às 30/12/04 15:10, Blogger Joao disse...

Ah, também quero! Mas mais fotografias ajudava mais a imaginar o lugar...

PS: abaixo os testamentos, viva a imagem!!

 
Às 30/12/04 19:15, Blogger Duarte disse...

Eu mostro-te quando formos jantar ao chinês do Estoril, está bem? :p

 

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