domingo, dezembro 26, 2004

cadernos do laçarote – IV

noite da Consoada
24.Dezembro.2004
23h53 em Portugal


Ora bem, por onde começar? Inspirado pelo barulho do ar condicionado que irá acompanhar-me novamente durante esta noite, decido-me pela temperatura.

A minha primeira constatação, cientificamente provada e empiricamente incontestável, é que seguir os conselhos médicos far-me-á perder metade do gozo. Na consulta do viajante do Instituto de Higiene e Medicina Tropical fui alertado para os perigos da malária e para as melhores formas de a prevenir: muito repelente de insectos, janelas fechadas e ar condicionado a carburar quando em casa, precauções extra para as primeiras e últimas horas de sol e… corpo o mais tapado possível, especialmente na zona dos pulsos e dos tornozelos. E aqui é que estamos mal, pois grande parte da piada está em poder andar de calções, sandálias e manga curta em Dezembro, com ou sem chuva e ainda sentir calor assim.

Já decidi que andarei à vontade, convencendo-me a mim próprio que é tão provável apanhar malária como acertar no Euromilhões. Para além disso, se conseguir sobreviver às contra-indicações e efeitos secundários da medicação, também consigo escapar à doença.

O calor é muito, é sim senhor. Mal pus o pé fora do avião, senti-me como num banho turco, chegando completamente suado ao autocarro que me esperava dez metros adiante. Não percebi se foi da diferença para o Inverno português ou do calor da pista e do avião, mas não mais senti aquele sopro quente tão abafado. É quente, mas é bom.

Por razões de Estado, não poderei descrever a minha passagem pelos serviços do aeroporto, deixando essa tarefa para a vossa imaginação, que antecipadamente elogio. Mas passando por precipitado e piroso, poderia descrever as ‘sensações’ que aqui encontrei, o tempo que tarda a passar, o ‘outro ritmo’, o nascer e o pôr do sol, o encantamento de África. Só que acho que já somos todos crescidinhos e já tivemos a nossa oportunidade para ver o África Minha, o que me leva a pedir que, para os que já não se lembram ou nasceram depois de 1985, comprem ou aluguem o DVD na loja mais próxima.

Perguntaram-me, quando me aproximava da cidade: «É melhor ou pior do que pensavas?». Eu pedi a ajuda dos 50 / 50 e continuei indeciso, simplesmente por não ser nem melhor nem pior do que eu pensava, simplesmente porque não pensava nada e ainda faltam alguns dias para me ir embora e poder ficar com aquela ‘ideia’ que, idiotamente, passarei a vender a toda a gente que me inquirir sobre isto, validando-a como juízo certeiro, absoluto e irrevogável. Mas apontei a ausência do Burguer King como aspecto negativo.


bairro dos coqueiros
25.Dezembro.2004
09h32 em Portugal



Vista da minha manhã de Natal

Acordei tarde e com frio. Sim, menti, menti muito na entrada anterior. Afinal, parece que segui uma ou outra indicação da dr.ª Nídia e passo as noites de porta fechada e com o ar condicionado numa temperatura relativamente baixa, a fim de afastar os OVNIS que por aqui pululam.

Ontem adormeci sem me dar conta, embalado por dois telefonemas intercontinentais e pelas kizombadas que vinham algures lá de fora, talvez da discoteca que fica a dois quarteirões –uma maneira de dizer, esta dos quarteirões – deste quarto andar, talvez de uma das centenas de casas particulares onde o Natal é passado ao som das estrelas locais da world-music.

Já me tinham dito que este era um país cheio de esquemas, mas nunca pensei ser enganado na minha própria casa. Quando cheguei, tentaram logo conquistar-me, mas não desconfiei de nada. Apesar de já ser noite, levaram-me a passear pela ilha, pela marginal e pelo centro da cidade, introduzindo-me no meio e falando-me da beleza do mar, de dias de praia e de pescaria e de marisco fresco como nenhum outro, em quantidades tais que bastaria levar as mãos à agua que viriam lagostas presas aos meus dedos. Aliás, já antes de chegar me tinham dito que a arca estava cheia, com as maganinhas prontas a serem suadas, assadas, fritas ou grelhadas.

E o que aconteceu? Algo que nunca tinha vivido: uma consoada tradicional portuguesa, com muita gente à mesa, bacalhau, couve e bolo-rei. Eu que, em Portugal, como bifes e ovos mexidos na consoada!

Foi uma desilusão. Peixe da Noruega e da Terra Nova, quando ali ao lado tinha um mar com lagostas decididas a praticar eutanásia só para me satisfazerem. E o pior é que fiquei a saber junto da organização que o almoço de Natal seria A-I-N-D-A mais típico, com peru, pataniscas e cabrito (isto é típico, não é?). E ainda me cravaram ajuda. Depois de árduas negociações, fiquei responsável pela mesa e empratamento, tarefas que desempenhei com doses iguais de prazer e de ignorância.

Como vêem, não se pode confiar em ninguém. Enrolaram-me com o mais importante, mas ainda desenrasquei umas voltinhas pelos bairros da cidade, pela ilha, pelo mausoléu, um passeio até ao embarcadouro e um ou outro seminário sobre musseques, micro-crédito, gastronomia local e circulação rodoviária e pedonal (nunca caíram dentro de uma tampa de esgoto partida, pois não?).

Agora vou deixar-me disto e chamar o meu pai para abrirmos as prendas. Espero que vocês se tenham safado; e, já agora: Feliz Natal!

5 scone(s)

Às 26/12/04 15:54, Blogger DC disse...

há Xumbo e não há Burger King?!

 
Às 27/12/04 13:02, Anonymous Anónimo disse...

Parece Mossul ou Sarajevo...

 
Às 27/12/04 17:00, Anonymous Anónimo disse...

o que é que ganhaste?

 
Às 27/12/04 18:37, Blogger Duarte disse...

Mas há um Nando's!!...

 
Às 29/12/04 00:53, Blogger Joao disse...

Feliz Natal! :D

 

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