quarta-feira, dezembro 07, 2005

médicos sem fronteiras

- Vim só eu, a Dr.ª Quinn está de banco


Recuperando uma entrada recente do Eduardo Pitta no Da Literatura, relativa ao tratamento protocolar dado a entrevistados televisivos - títulos académicos, entenda-se - não posso deixar de recordar a cobertura feita pela RTP na noite das eleições legislativas de Fevereiro passado. Num painel de comentadores constituído por Marcelo Rebelo de Sousa, António Mega Ferreira e António Barreto, a entrevistadora, a mesma Judite de Sousa, alternava despudoradamente entre o reverencial «professor Marcelo», o institucional «doutor Mega Ferreira» e o muito-lá-de-casa «António» (António Barreto). Simplesmente, o «António».

A questão é, parece-me, de puro profissionalismo. Mas não é menos verdade que provém de uma motivação cultural inculcada no pequeno meio do star-system mediático. Na grande maioria de programas do género, assim como em entrevistas e debates menores, não raras vezes os entrevistadores (e os próprios entrevistados) assumem uma postura demasiado coloquial que facilmente indicia a existência de laços de amizade entre ambos. Atendendo à dimensão do país e ao meio em causa, difícil seria que tal não acontecesse. O problema acaba por estar na sua relevância para os temas abordados e para a forma como são discutidos. Na maior parte dos casos, esse conhecimento mútuo, quase cumplicidade saída para o público, não beneficia em nada os programas, servindo apenas impulsos do umbigo dos próprios e fomentando uma certa desconfiança na audiência sobre o eventual interesse de uma "conversa" tão desrespeitosamente pessoal.

No outro extremo, temos a deferência extrema, motivada pelo recontro com um dito "especialista" com origem fora do inner circle. Aí, a regra é a submissão e o respeito saloio, da qual este tipo de tratamento protocolar é singelo efeito.

O engraçado em tudo isto é o seu efeito perverso na opinião pública, uma vez que se cauciona a legitimidade de uns, sem a questionar, e menoriza-se, a simples "opiniões", a conversa dos amigos (o povo, ainda assim, dá mais ouvidos aos "professores" e aos "doutores" do que aos outros), entronizando-se meia-dúzia de personalidades de méritos não comprovados como os primus inter pares de Portugal.

Afinal de contas, todos sabemos que existem apenas três "professores" em Portugal: o «professor Cavaco», o «professor Marcelo» e o «professor Queiroz» (refiro-me ao treinador de futebol, não ao outro).